Coma não traumático


 Coma não traumático é um dos problemas mais comuns na terapia intensiva e frequentemente manifesta-se em outros setores do hospital.

Coma, de uma forma ampla, pode ser definido como qualquer depressão do nível de consciência. Muitos termos são usados para definir o nível de consciência levando em conta uma escala semi quantitativa de severidade, assim, coma seria o mais grave estado de depressão da consciência onde o paciente não consegue ser despertado por nenhum estímulo. Outros termos clássicos seguindo essa mesma escala semi quantitativa são importantes serem definidos. Estupor é um degrau a menos de não responsividade, em relação ao coma, em que o paciente é despertado somente com estímulo vigoroso ou nociceptivo, acompanhado de comportamento motor estereotipado objetivando evitar o agravamento do estímulo. Paciente obnubilado refere-se a um despertar breve ao toque ou ao chamado vigoroso. Sonolência ou letargia simula um sono leve, facilmente despertável ao chamado, mas com rápido retorno ao estado anterior se o estímulo não for mantido.

O substrato anatômico da consciência envolve o córtex de ambos os hemisférios, o sistema reticular ativador ascendente (SRAA) e suas projeções. O SRAA é um agregado de neurônios, localizados no tronco cerebral, entre a parte superior da ponte e o mesencéfalo e no tálamo medial. Contrariamente a clássica noção de coma por lesão de tronco, a máxima intercessão das lesões causadoras de coma, está na parte superior da ponte e não no mesencéfalo, e lesões localizadas somente na ponte pode causar coma mesmo na ausência de lesão no mesencéfalo. Assim, coma pressupõe (1) lesão do SRAA ou suas projeções, (2) destruição de grandes áreas de córtex de ambos os hemisférios ou (3) supressão das funções retículo cerebrais por drogas, toxinas ou alterações metabólicas como hipoglicemia, azotemia ou insuficiência hepática.


Etiologia do coma não traumático

Coma tem sido classificado em estrutural, difuso e psiquiátrico. Causas estruturais incluem acidentes vasculares encefálicos (AVE), tumores e abscessos cerebrais e devem ser rapidamente classificados em infra e supratentorial. Entre as causas difusas, podemos citar hipoglicemia, encefalopatia hepática e urêmica e intoxicação por drogas, destacando as causas metabólicas por sua alta prevalência.

 

Mecanismos do coma

 As causas metabólicas levam ao coma por causar uma disfunção ou injúria neuronal cortical difusa. A maioria destas causas pode ser reversível ou não dependendo da intensidade da disfunção ou da injúria neurológica acarretada. As causas supratentoriais e infratentoriais que causam coma são praticamente as mesmas. As lesões infratentoriais causam coma por acarretarem distúrbio direto no funcionamento dos neurônios da SRAA, seja por lesão direta ou por compressão e isquemia. As lesões supratentoriais só levam ao estado de coma se produzir um comprometimento difuso dos dois hemisférios cerebrais. Em geral, este comprometimento pelas lesões supratentoriais decorre de dois mecanismos: aumento da pressão intracraniana e/ou herniação cerebral. O aumento da pressão intracraniana pode causar uma diminuição crítica da pressão de perfusão cerebral (ver capítulo de hipertensão intracraniana) e isquemia difusa. As síndromes de herniação cerebral geralmente cursam com aumento da pressão intracraniana e podem contribuir para o coma por causar distorção, isquemia e hemorragia de extensos territórios encefálicos.

 

Causas incomuns

Algumas causas incomuns de coma merecem menção.

Coma no pós-operatório imediato, em geral, raramente ocorre, mas algumas cirurgias específicas são fatores de risco para seu aparecimento e devem ser lembradas. As cirurgias cardíacas (principalmente trocas valvares e os reparos aórticos), endarterectomias e oncológicas de cabeça e pescoço estão neste grupo de cirurgias de risco. A causa do coma no período pós- -operatório é, basicamente, devido a pequenos infartos cerebrais, principalmente de etiologia embólica. Pacientes idosos, com comorbidades clínicas e que tiveram hipotensão per operatória foram mais acometidos.

A encefalomielite aguda disseminada (ADEM) deve ser pensada, pois o tratamento urgente é essencial. ADEM pode, antes de voluir para coma, mimetizar meningite (febre e meningismo) e AVE (alterações motoras ou sensitivas ou sinais de acometimento de tronco).

Cefaleia intensa e crise convulsiva anterior ao coma, trombose de seios venosos deve ser considerado e um estudo angiográfico solicitado, mesmo com TCC de crânio inicial normal.

Muitas causas são relacionadas ao coma periparto, mas a deficiência do carreador da carbamoiltransferase (desordem hereditária que se manifesta por hiperamonemia, hiperglutaminemia e acidúria orótica) deve entrar no diagnóstico diferencial.

Além de doenças hereditárias e hepáticas, a hiperamonemia com coma pode ser causada por terapia com valproato e acetominofen, mesmo na ausência de insuficiência hepática.

Depressão maior é uma causa clássica de coma, entretanto, seu tratamento mais comum, os inibidores seletivos do receptor de serotonina, pode levar a síndrome serotoninergica, que na sua manifestação mais grave pode apresentar coma.

 

Prognóstico

Excetuando alguns comas induzidos por drogas ou alterações metabólicas, as etiologias não traumáticas têm um prognóstico muito desfavorável, com alta mortalidade no primeiro mês e nos que sobrevivem altos índices de dependência. Assim, alguns fatores preditivos devem ser considerados principalmente pelo potencial sofrimento dos pacientes e familiares por longo período e grande gasto dos escassos recursos destinados à saúde.

Alguns dos principais fatores preditivos de mau prognósticos estudados incluem: idade, disfunção renal, ausência de reflexos corneais, pupilares e oculovestibulares e presença de resposta motora, verbal e ocular inadequada.


Referência: Abordagem do Paciente em Coma, Darwin Prado, Ricardo Turon Manual de Terapia Intensiva. AMIB -- São Paulo : Editora Atheneu, 2014.