Doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP): Guia Completo para Entender a Osteocondrose Juvenil do Quadril e o Tratamento com Fisioterapia

A Doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP), frequentemente chamada de osteocondrose juvenil do quadril, é uma condição rara que afeta a articulação do quadril em crianças. Para os pais e cuidadores, receber esse diagnóstico pode gerar muitas dúvidas e preocupações. É um momento que exige paciência, informação de qualidade e um acompanhamento profissional cuidadoso.

Neste guia, vamos traduzir o que é essa condição, suas fases e como o tratamento, especialmente a fisioterapia, é fundamental para que seu filho possa ter a melhor recuperação possível e evitar complicações na vida adulta.

O Que Exatamente é a Doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP)?

A DLCP é caracterizada por uma interrupção temporária e misteriosa do suprimento sanguíneo para a cabeça do fêmur – o osso em forma de "bola" que se encaixa na cavidade do quadril (acetábulo). Essa interrupção do fluxo de sangue leva a um quadro chamado necrose avascular (ou osteonecrose).

Quando o osso da cabeça do fêmur perde o oxigênio e os nutrientes do sangue, ele enfraquece, amolece e pode começar a se "esfarelar" ou achatar. É como se a bola do quadril estivesse passando por um processo de morte e, em seguida, de renovação óssea.

A boa notícia é que o corpo da criança tem a capacidade de se regenerar. Com o tempo, o suprimento de sangue geralmente retorna, e o osso começa um longo processo de cicatrização e remodelação, podendo durar de 2 a 4 anos.

Quem a DLCP Atinge?

  • Idade: Mais comum em crianças entre 4 e 10 anos.
  • Sexo: É cerca de quatro a cinco vezes mais comum em meninos do que em meninas.
  • Localização: Na grande maioria dos casos (cerca de 85%), afeta apenas um quadril (unilateral).
Ilustração da Doença de Legg-Calvé-Perthes mostrando a cabeça do fêmur com necrose avascular no quadril de uma criança


Quais São as Causas da Doença de Legg-Calvé-Perthes?

A causa exata da interrupção do suprimento sanguíneo que leva à DLCP ainda é considerada idiopática (de causa desconhecida). No entanto, pesquisadores e médicos sugerem que alguns fatores podem estar envolvidos:

  • Problemas de Coagulação: Algumas crianças podem ter alterações na coagulação que levam à formação de pequenos bloqueios (trombos) nos vasos que nutrem o quadril.
  • Restrição Vascular: Uma combinação de fatores genéticos, lesões leves ou traumas repetitivos pode levar a uma diminuição temporária no fluxo sanguíneo.
  • Fatores Genéticos e Ambientais: Embora a maioria dos casos não seja hereditária, uma predisposição genética e a exposição a certos fatores ambientais podem desempenhar um papel.

É importante ressaltar: a DLCP não é culpa dos pais nem da criança. É um processo que ocorre devido a uma falha circulatória temporária.

Os Sintomas Mais Comuns: Como Identificar a DLCP

Os sintomas da Doença de Perthes geralmente se desenvolvem gradualmente ao longo de semanas ou meses. Um diagnóstico precoce é crucial para o melhor manejo da condição.

Sinais de Alerta para Pais e Cuidadores

  1. Claudicação (Mancar): É o sintoma mais comum. A criança começa a mancar, especialmente no final do dia ou após atividades.
  2. Dor no Quadril, Virilha ou Joelho: Muitas crianças se queixam de dor que não está no quadril, mas sim na coxa ou, de forma muito comum, no **joelho**. Isso é chamado de dor referida, onde a dor da articulação do quadril é sentida em outra área.
  3. Rigidez e Limitação de Movimento: O quadril afetado pode perder parte da sua amplitude de movimento, principalmente para girar (rotação) ou afastar (abdução) a perna.
  4. Dor que Melhora com o Repouso: A dor tende a piorar com a atividade e melhora quando a criança repousa.
  5. Espasmos Musculares: Pode haver espasmos musculares dolorosos ao redor da articulação do quadril devido à inflamação e irritação.

Se seu filho apresentar esses sintomas de forma persistente, procure imediatamente um ortopedista pediátrico. Lembre-se, mesmo uma dor "boba" no joelho pode ser um sinal importante.

As 4 Fases da Doença de Legg-Calvé-Perthes

A DLCP é uma condição que se desenrola em um processo de estágios. Entender essas fases ajuda a compreender a lógica por trás do tratamento e do tempo de recuperação:

Fase Nome/Características O Que Acontece no Quadril
Fase I Necrose Avascular (Isquemia) Interrupção do fluxo sanguíneo. O osso da cabeça femoral morre e enfraquece. Radiografias podem mostrar pouca alteração, mas a Ressonância Magnética (RM) já detecta a isquemia.
Fase II Fragmentação O osso enfraquecido começa a se "esfarelar" (fragmentar) e a achatar. É a fase mais crítica, onde a deformidade da cabeça do fêmur pode se instalar.
Fase III Reossificação (Reparação) O suprimento sanguíneo retorna. Novos ossos e vasos sanguíneos começam a se formar, substituindo o osso necrosado. É uma fase longa, de construção.
Fase IV Remodelação (Resíduo) O processo de cicatrização está completo. O formato final da cabeça do fêmur está estabelecido. O objetivo do tratamento é garantir que essa "bola" esteja o mais esférica e congruente possível (encaixada no acetábulo) para evitar problemas futuros.

O Pilar do Tratamento: Repouso, Contenção e Fisioterapia

O objetivo principal do tratamento da DLCP é manter a cabeça do fêmur (que está amolecida e vulnerável) bem encaixada e contida dentro do acetábulo (a cavidade do quadril). Isso é conhecido como o princípio da Contenção.

Por que a contenção é importante? Porque manter a cabeça do fêmur dentro do acetábulo durante a fase de fragmentação e reossificação atua como um "molde", ajudando o osso a se regenerar no formato mais esférico e funcional possível, reduzindo o risco de artrite ou deformidades na vida adulta.

1. Tratamento Conservador (Não Cirúrgico)

O tratamento conservador é a primeira linha de ação, especialmente em crianças mais jovens (geralmente abaixo de 6 anos) e naquelas com menor extensão da lesão. Inclui:

  • Restrição de Carga e Atividades: Reduzir ou eliminar o apoio de peso na perna afetada (uso de muletas, cadeiras de rodas ou restrição de atividades como correr e pular) é essencial, especialmente nas fases iniciais.
  • Imobilização/Órteses: Em alguns casos, órteses ou gessos são utilizados para manter a perna em uma posição específica (geralmente de abdução – afastamento) que garanta a contenção da cabeça do fêmur no acetábulo.
  • Medicamentos: Anti-inflamatórios e analgésicos são usados para controlar a dor e a inflamação na articulação, melhorando o conforto da criança.

2. O Papel Vital da Fisioterapia na DLCP

Eu, como fisioterapeuta com 30 anos de experiência, posso garantir: a fisioterapia é um pilar insubstituível no manejo da Doença de Perthes, independentemente do uso de cirurgia ou órteses. Nosso foco é triplo:

  1. Manter e Ganhar Amplitude de Movimento (ADM): O quadril afetado tende a ficar rígido, perdendo mobilidade. Técnicas de mobilização suave, alongamentos e cinesioterapia são cruciais para preservar a ADM, especialmente a abdução e a rotação interna, que são essenciais para uma marcha normal.
  2. Manter a Força Muscular: A restrição de carga e o repouso levam à atrofia (perda de massa) dos músculos da coxa e do quadril. Focamos no fortalecimento do quadríceps, isquiotibiais e, principalmente, do glúteo médio, que é vital para a estabilidade da marcha.
  3. Alívio da Dor e Conforto: Utilizamos recursos como calor/frio e, em muitos casos, a Hidroterapia (Fisioterapia Aquática), que é fantástica. A flutuação na água permite que a criança exercite e fortaleça a perna sem sofrer o impacto e a carga do peso corporal, aliviando a dor e promovendo a contenção de forma mais suave.
Criança fazendo hidroterapia (fisioterapia aquática) para Doença de Legg-Calvé-Perthes, exercitando o quadril sem impacto

3. Tratamento Cirúrgico

A cirurgia é geralmente reservada para casos mais graves, especialmente em crianças mais velhas (acima de 6 ou 8 anos) ou quando o tratamento conservador não consegue manter a contenção adequada da cabeça do fêmur.

O principal procedimento cirúrgico é a osteotomia, que consiste em cortar o fêmur (osteotomia femoral) ou a pelve (osteotomia pélvica) e reposicioná-los de forma que o acetábulo cubra melhor a cabeça do fêmur. Após a cirurgia, a fisioterapia é intensificada para recuperação total e retorno gradual das atividades.

O Prognóstico: Qual o Futuro da Criança com DLCP?

A Doença de Legg-Calvé-Perthes é, na maioria das vezes, uma doença autolimitada, ou seja, ela segue seu curso e se resolve sozinha. No entanto, o tratamento não é opcional; ele é determinante para o resultado final do quadril.

O principal fator que influencia o prognóstico de longo prazo é o **formato final da cabeça do fêmur**. Um quadril que se regenera de forma esférica e bem encaixada tem um risco muito menor de desenvolver dor e artrite no futuro adulto.

Fatores que Indicam um Melhor Prognóstico

  • Idade Jovem no Diagnóstico: Crianças com menos de 6 anos têm um prognóstico significativamente melhor.
  • Menor Extensão da Lesão: Quanto menos da cabeça do fêmur for afetada pela necrose.
  • Manutenção da Mobilidade: Quanto mais tempo o quadril conseguir manter uma boa amplitude de movimento durante a doença, melhor.
  • Aderência ao Tratamento: O acompanhamento rigoroso com ortopedia e fisioterapia, incluindo a restrição de carga, é fundamental.
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FAQ: Perguntas Comuns sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

1. A Doença de Perthes tem cura?

Sim. A DLCP é considerada uma doença autolimitada que tem seu próprio ciclo de cura, que pode durar de 2 a 4 anos. O tratamento (conservador ou cirúrgico) tem o objetivo de guiar a reestruturação do osso para garantir que ele cicatrize no formato mais normal possível, minimizando o risco de complicações futuras, como a artrose.

2. Meu filho pode praticar esportes com a DLCP?

Durante as fases ativas (necrose e fragmentação), esportes de impacto (correr, pular, futebol) são estritamente proibidos, pois podem levar ao colapso e deformação da cabeça do fêmur. O ortopedista e o fisioterapeuta irão liberar atividades de baixo impacto, como natação ou hidroterapia. O retorno total aos esportes só ocorrerá após a fase de remodelação, com liberação médica e acompanhamento da fisioterapia.

3. A dor no joelho do meu filho pode ser sinal da Doença de Perthes?

Sim, é um sinal de alerta muito comum. A dor do quadril é frequentemente "referida" (sentida) no joelho. Por isso, toda dor no joelho em crianças, mesmo sem trauma aparente, deve ser avaliada por um especialista para descartar a DLCP ou outras condições do quadril.

4. O que é a necrose avascular da cabeça do fêmur?

É a morte do tecido ósseo que constitui a cabeça do fêmur devido à falta temporária de suprimento sanguíneo (isquemia). É o evento central da Doença de Legg-Calvé-Perthes. Este osso morto é então reabsorvido e, lentamente, substituído por osso novo (revascularização e reossificação).

5. Como a Fisioterapia Aquática ajuda no tratamento da DLCP?

A Fisioterapia Aquática (Hidroterapia) utiliza o empuxo da água para reduzir o peso corporal e o impacto nas articulações, permitindo que a criança realize exercícios de fortalecimento e ganho de amplitude de movimento sem sobrecarregar o quadril afetado. É uma excelente forma de manter a função muscular enquanto o osso cicatriza.


O Caminho da Paciência e do Cuidado

A Doença de Legg-Calvé-Perthes exige paciência e dedicação de toda a família. É uma jornada longa, mas com um objetivo claro: garantir que a cabeça do fêmur se regenere o mais redonda e saudável possível. Lembre-se que o corpo do seu filho tem um incrível potencial de cura.

O sucesso do tratamento está na tríade: acompanhamento rigoroso com o ortopedista, dedicação inegociável à fisioterapia e o amor e apoio constante dos cuidadores. A fisioterapia não apenas alivia a dor e mantém o movimento, mas também educa a criança a gerenciar a condição com segurança.

Se você tem dúvidas sobre o plano de tratamento ou precisa de orientações sobre exercícios seguros, converse com seu fisioterapeuta de confiança. Unidos, podemos garantir o melhor resultado para o futuro do quadril do seu filho.